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Aulas da Primavera | I Edição (2010)

8 LIÇÕES DE LITERATURA

O Laboratório de Estudos Literários Avançados (Elab) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa promove, de Abril a Junho de 2010, a 1.ª edição do Curso Livre de Estudos Avançados de Literatura. São oito lições da responsabilidade dos professores António M. Feijó, Clara Rocha, Clara Rowland, José Augusto Cardoso Bernardes, Manuel Gusmão, Osvaldo Silvestre, Pere Ferré e Rosa Maria Martelo.

 

PROGRAMA

 

 

9-10 de Abril: A PRODUÇÃO DA EVIDÊNCIA

António Feijó (Universidade de Lisboa)

A lição abordará o problema de saber em que consiste a evidência na análise literária, e de tentar determinar se os casos, comparativamente raros, em que a evidência justificativa de uma posição crítica surge ex post facto, são contingentes e especiais, ou não. Ponto de partida — ou texto de base —, a primeira carta de Fernando Pessoa para João Gaspar Simões.

 

 

16-17 de Abril: PRESENÇAS DO CINEMA NA POESIA MODERNA E CONTEMPORÂNEA

Rosa Maria Martelo (Universidade do Porto)

A partir de uma selecção de textos poéticos em que é possível detectar formas diversificadas de diálogo com o cinema, pretende-se estudar a presença do cinema na poesia moderna e contemporânea, tanto do ponto de vista temático como discursivo.

 

 

23-24 de Abril NOÇÃO TRADICIONAL DE LITERATURA TRADICIONAL

Pere Ferré (Universidade do Algarve)

Menéndez Pidal estabeleceu uma profunda diferença entre a literatura popular e a literatura tradicional. Com base nos critérios da persistência e da variação, atribuiu à primeira os textos de invenção recente, transmitidos por via oral e com fidelidade discursiva, e à segunda o património textual legado de geração em geração, através de uma recitação permanente recriadora. Uma primeira leitura desta formulação conduz-nos a considerar a literatura tradicional como o espaço privilegiado de uma ampla variação textual, avesso à conservação da estrutura discursiva e fabulística dos textos. Contudo, o próprio facto de o filólogo ter utilizado os poemas tradicionais – como um arqueólogo (Paul Bénichou) – para refazer os passos perdidos das velhas baladas narrativas, dos antigos cantares épicos e da primitiva historiografia, nos alerta para a forte tendência conservadora do processo de transmissão tradicional. Em que ficamos, pois? Define-se a literatura tradicional pelo seu pendor de preservação (de memória) ou de variação (recriação)? Como é bom de ver, ambos são faces da mesma moeda e ambos se encontram submetidos a rigorosas regras que impedem, simultaneamente, a cristalização de um texto e, consequentemente, a perda da sua actualidade, bem como a variação sem limites, inevitavelmente descaracterizadora. Recorrendo a exemplos do romanceiro medieval e da tradição oral moderna panhispânica, procurarei aprofundar o conceito de tradicionalidade, bem como os vários níveis de conservação e de variação que um género tradicional comporta.

 

 

7-8 de Maio: CULTURA LITERÁRIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

José Augusto Cardoso Bernardes (Universidade de Coimbra)

Muitas vezes atribuída a factores exógenos, a crise do ensino da Literatura deriva também, muito provavelmente, de insuficiências dos seus agentes, que podem e devem ser corrigidas. Uma dessas insuficiências situa-se no domínio da formação de professores. Em vez de se centrar apenas numa das áreas convencionais dos estudos literários (Retórica, História Literária e Análise de Textos), o objecto de formação deveria, em meu juízo, revestir um carácter mais abrangente, orientando-se para o fortalecimento de uma “Cultura Literária” mais equilibrada e mais densa, que possa, desde logo, constituir factor de requalificação no conjunto dos saberes escolares. Na presente Lição procuro estabelecer cinco fundamentos dessa mesma “Cultura”, no quadro de uma estratégia global que visa ajustar o ensino da literatura às grandes metas educacionais do nosso tempo.

 

 

14-15 de Maio: FRONTEIRAS DA MODERNIDADE ESTÉTICA

Manuel Gusmão (Universidade de Lisboa)

Começar-se-á por esboçar o problema do traçado de fronteiras históricas em literatura. A prioridade concedida a Baudelaire por Walter Benjamin. A perda da aura, o fim do romantismo e a modernidade: Uma “crise de versos”. Outras maneiras de traçar a fronteira. Uma fronteira que se ramificasse: Lautréamont/ Ducasse; Rimbaud e Mallarmé. O rosto plural da modernidade. O romantismo acabou mesmo? É possível restaurar a aura? Problemas com o Autor, crise do alexandrino e dos versos -- o poema em prosa. A objectividade ideal do poema. Heroísmos.

 

 

21-22 de Maio DESCONHECIDO NA MORADA: A CARTA NO CINEMA

Clara Rowland (Universidade de Lisboa)

Se a evolução do cinema clássico é caracterizada por uma progressiva supressão da palavra escrita, é possível procurar na representação temática da escrita um dos pontos de tensão e de questionamento das diferenças e relações entre meios de representação. A carta, circulando insistentemente pelo cinema de Hollywood, parece solicitar como resposta uma interrogação das implicações teóricas do confronto entre voz, palavra e imagem no cinema. Se as representações literárias da carta podem ser entendidas como representações do literário, a carta no cinema abre um espaço em que a tensão entre literatura e cinema é directamente encarada. Nesse sentido, a carta envia ao cinema questões de destinação, autoridade e temporalidade, essenciais para uma interrogação das ideias de cinema e de literatura que aí são encenadas. O trajecto proposto considerará estas hipóteses a partir de dois casos contemporâneos e paradigmáticos -Letter from an Unknown Woman (1948) de Max Ophuls e Letter to Three Wives (1949) de Joseph Mankiewicz -, articulando-os com os problemas da representação da carta no cinema mudo e com o regresso da escrita no cinema moderno.

 

 

28-29 de Maio: A MÁQUINA DE ESCREVER: O CASO DE FERNANDO PESSOA

Osvaldo Silvestre (Universidade de Coimbra)

«Os nossos instrumentos de escrita têm impacto também sobre os nossos pensamentos», escreveu F. Nietzsche numa carta, em Fevereiro de 1882, pouco tempo após ter começado a usar uma máquina de escrever produzida pelo inventor dinamarquês Malling Hansen. Num texto de 1942-43, Martin Heidegger afirmou, por seu turno, que «A tecnologia está embebida na nossa história». E, especificamente sobre a máquina de escrever, uma vez que o texto trata dela, afirmou que nos afasta da mão, tornando a palavra em algo impresso, «degradando-a [à palavra] ao estatuto de um meio de comunicação». Como nota Friedrich Kittler, a diferença é que Nietzsche escreveu aquela frase à máquina, enquanto Heidegger recorreu antes à sua magnífica caligrafia antiga… Aceitando que os média determinam a nossa situação, e que a história da literatura – como a das artes ou da cultura ou daquelas formas de vida que aspiram de forma mais impetuosa à totalidade do sentido histórico (a política ou a economia) – pode ser recontada, como sugeriu Niklas Luhmann, a partir de uma história das tecnologias de comunicação, a relação que a máquina de escrever estabelece com o corpo, a forma como afecta a própria noção de escrita, não pode deixar de ser tomada em consideração numa análise da situação moderna da literatura. Nesse sentido, propõe-se nesta aula reler a obra do modernista português Fernando Pessoa a partir do comércio que nela se estabelece entre corpo e máquina (de escrever), entre caligrafia e dactilografia, entre materialidades da comunicação escrita e materialidades da comunicação visual ou auditiva. Nesta perspectiva a máquina de escrever permite reler a obra de Pessoa a uma nova luz, deslocando a própria noção de leitura da sua obsessão com a questão hermenêutica para uma série de questões prévias à da constituição do sentido. Tudo isto parece poder sintetizar-se na expressão que funcionará como um criptograma da sessão: «a máquina de escrever Fernando Pessoa», expressão que se explorará em todas as suas dimensões.

 

 

4-5 de Junho: «C’EST MOY QUE JE PEINS»: QUESTÕES DA LITERATURA AUTOBIOGRÁFICA

Clara Rocha (Universidade Nova de Lisboa)

A lição incidirá sobre a formação da identidade moderna e sobre o percurso da nossa concepção do ‘eu’, recordando brevemente textos de Platão, de Santo Agostinho, de Montaigne, da literatura romântica e de autores do século XX, de modo a traçar o arco que vai desde a viragem (agostiniana) para a interioridade até à afirmação (moderna) da multiplicidade do ‘eu’ («Je est un autre»). Depois, analisará os diversos géneros autobiográficos — confissões, memórias, auto-retrato, autobiografia e romance autobiográfico, diário — , pondo em evidência os traços dominantes que os diferenciam e exemplificando com textos literários.